sábado, 26 de outubro de 2013

Joga pedra, Geni

No meio do caminho tinha uma pedra.
Tinha uma pedra no meio do caminho. 
A pedra era ela. 
Joga pedra na Geni!

Diz que deu, diz que dá, que dará pra quem quiser. 
Dizem que Deus dará: castigo!
“ – Essa moça não tem família? 
Olha o tamanho da saia dela!”

No meio do caminho tinha uma pedra.
Tinha uma pedra no meio do caminho. 
A pedra era mal falada, feita pra apanhar, boa de cuspir. 
Era pra comer em uma noite e não ligar no dia seguinte.
Era pra ser diversão dele, não a mãe dos seus filhos. 

Pedra não diz que não, pedra nem dizer diz... 
Ela queria. 
“ – NÃO! Me solta!”
NÃO. NÃO. NÃOOOO
Ele queria.
“ – Eu sei que você quer, não precisa fazer charme!”
Ele ejacula. Ela se contorce – de medo, não de prazer.

Nunca me esquecerei desse acontecimento.
Na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Vara de família. Pensão alimentícia.
“ – Ela ainda quer o meu dinheiro? Que vá trabalhar!
Haja pedra no meu sapato!”

É falo, é pedra, não é o fim do caminho. 
Geni juntou as pedras. Joga pedra, Geni, em quem te julgou, em quem te abusou, em quem te objetificou.
Somos todas Geni.

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Sobre onde "moças de respeito" não devem dormir *


Eu escolhi tuas mãos para entrelaçar às minhas. 
Qual não foi o meu encanto!
Tuas mãos em mim rendem tantos cantos... 

Passeiam pelos meus anseios,
Curam meus prantos
Quando escorrem-me aos olhos prelúdios de solidão. 

"Não vai não!" Dedilha o meu corpo como tua obra-prima, 
Diz que eu sou a tua menina, que vem aquecer-me do vento frio lá de fora,
Que me invadirá, outrora, quando sozinha.

E a gente se redescobre. 
Desnudos, juntos, não a sós. 
Tua mão cobre-me depois de uma longa noite de amor. 

Adormeço. 

O macio lençol de algodão tenta fazer o papel das tuas mãos.
Só tenta!

No quarto ao lado, você lamenta:
"MALDITAS CONVENÇÕES!" 


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* Em tempo:

Por menos "mulher de família não dorme com namorado, não transa na primeira noite" e afins. Por menos moralismo, mais amor. 

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Faço renda e não me rendo

O descaso gestor vitima nossas artesãs, relega nossa cultura a segundo plano. O Centro das Rendeiras da Prainha bem pode ser descrito pela palavra "abandono". Não há como não se sensibilizar. Nossas artesãs cearenses permanecem divididas em três espaços: um deles, no qual Francisca vende seus produtos, sequer possui energia elétrica. As rendeiras falam saudosamente do tempo em que Luiza Távora, então esposa do governador do Ceará, "fazia tudo pela gente" - palavras de Francisca - que conta, ainda, que, "na época da Dona Luiza" elas iam a feiras em outros estados vender seus produtos. Além disso, "Esse Centro era da Dona Luiza, viu? Ela teve pena das rendeiras que vendia renda com as caixas na cabeça na beira da praia e fez o Centro pra nós". Hoje não! Francisca fala que entra prefeito e sai prefeito e ninguém nada faz por elas e pelo Centro. 


Eis que a conversa continua e ela diz querer falar com a Dilma, ir lá em Brasília mesmo, reclama que, quando em visita ao Ceará, ninguém leva a Dilma até as rendeiras. Elas esperam uma mulher, outra mulher que, sendo mulher, entenda a sua luta. A de criar os filhos com o dinheiro suado e "nem sempre certo da renda", a de fazer tapiocas de madrugada para vender pela praia, a de fazer renda de segunda à sexta e "faxinas em casas de família" nos fins de semana. 



Francisca, 69 anos, solteira, rendeira desde os 6 anos de idade, quer um Centro com mínimas condições para poder trabalhar. Um Centro pra receber turistas na Copa que vem vindo. Aquela Copa que não é para todas/os, e que, nesse caso, invisibiliza inclusive setores que lidam diretamente com o turismo. 



A história de Francisca sensibilizou-me e aqui a conto brevemente em versos. 





"Filha de mulher rendeira,
Mulher rendeira eu sou. 
A mãe ia raspar as mandioca, pra juntar um dinheirinho mais avultado."

Francisca bota a almofada da mãe na cabeça, corre pra detrás da casa. 
Fingindo estar trabalhando, embaraçava os bilros na ânsia de aprender. 
Até que aprendeu. 

Criança brincava de ser adulto.
Cedo demais. 
E "ia até umas horas" fazendo renda
Pra comprar as vestes do "caticismo". 
O sapato, a roupinha, tudo aprumado. 

Fazendo uns trocados*, juntou os seus. 
Criou os seus. 
Mãe solteira
Deu de comer à cria. 

E se lembrou de quando era criança 
E de tudo que viveu até ali. 

E Francisca não conseguiu o que queria
Quando veio pra Brasília, com o diabo ter. 
Ela queria era falar com a Presidenta, pra ajudar
Toda essa gente que faz renda. 
Só não faz 
Se render. 


*Movimento principal a partir do qual se constituem os pontos da renda de bilro,trata-se do primeiro passo na iniciação à técnica e consiste em três movimentos básicos de torção e cruzamento dos fios. 

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Hoje não te escrevi

Hoje eu te escreveria, como o fazia há tantos dias. 
Mas de hoje em diante não escrevo mais. 
Não por me faltar a vontade, me falta o tempo. 
Tem tempo que o tempo, truculento, me ata. 
E me amordaça e me hostiliza e 
Toma o meu corpo como engrenagem. 
"Segunda à sexta tem serviço, vê se trabalha com afinco pra produtividade cair na conta no fim do mês"
"Sossega! Que esse mês ainda ganho hora extra pra pagar as "prestação"." 
Falaram que tempo era dinheiro e as cifras, dissimuladas, se fingiram libertação. 
Quem se presta, até na moléstia, a disciplinar o corpo à exaustão? 
Quão produtivo é isso de repetir a mesmice? Pensa!
O que move não é sonho. É cafeína, taurina e alienação. 
E o operário repete: rotula a garrafa, o biscoito, os homens pelo que têm. 
Falta tempo, sobra temporal. Restam segundos para amar. 
E olhe lá! 

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Bolsa de mulher

Excesso de bagagem!
Tem perfume, pasta e escova de dente.
Tem absorvente.
Tem o pingente da proteção, o brinco de pérolas, a passagem do ônibus,
O assento do avião.
Escolho a janela!
Tem saldo de banco, tem extrato de saudades, tem ingresso de cinema
Daquele filme que nem se vê.
Tem moedas soltas das mais valiosas!
Dá pra jogá-las no poço dos desejos e pedir pra te ter.

domingo, 31 de março de 2013

Desquite

É sempre no passado a união.
É sempre no presente a intersecção.
É sempre no futuro o não.
Não pertence, não contém, não convém.
Separação.
O vazio nesse sempre é sempre subconjunto de toda a multidão.


domingo, 24 de março de 2013

Smart phone, dumb life


Venha turn on seu phone.
Saiba que ele é very smart.
Na hora do rush, o 3G dá um up.

A sua interface é hightech,
Num touch, eu checo as novidades.
Contato a friendzone,
Confirmo presença no happy hour.

Se vem face to face, ignoro.
Falar é tão last week. Olho no olho tá pra lá de Marrakesh.
Mando adicionar no Face, confirmo friend request.
No chat, viro BFF.

Eu só vivo online.
Se perco a conexão,
Put a keep are you,
Turn off a social life.

sábado, 23 de março de 2013

Se métrica


Em uma tentativa tola quis ter uma vida equilibrada e simétrica e acabou tornando a poesia sem métrica.
Deixe o poeta amar até a última lágrima, o palhaço sorrir até chorar, a criança pular até cair.
Deixe Nero incendiar, deixe a chama subir e te consumir.
Não, não pare por medo de ir.
E quando enfim o caminho descobrir, dane-se tudo.
Viva rimas e versos brancos.
A vida tem lá seus encantos! 

Ponto Ação


Tudo começou com uma pergunta e o mundo foi sendo construído.
     !          Houve quem exclamasse,
.           Quem apontasse,
    ...         Quem continuasse.


Eu assisto de longe e faço parte.
Sou criatura, criação, escritor,
Ator e público de  um
 Instante que persiste
 n
 s
 i
 s
 t
 em  não ter f i m

Decifra-me ou devoro-te

Hoje me falta a pena. 
Não a do sentir; a do firmar.
E me sobra a pena de quem ainda não me lerá. 


segunda-feira, 18 de março de 2013

Eu quero desconstruir o concreto dos teus dias

Eu quero enquadrar meus sonhos numa tela.
Eu quero uma aquarela pra pintar o sete.
Eu quero me perder e me achar por aí.
Entrequadrar os 33 graus deste dia tão belo.

Eu quero contemplar esse céu tão puro.
Onde as nuvens mesclam-se ao azul mais tênue.
Eu só quero três poderes: ver, ouvir e sentir o urbano tão verde destas terras.
Onde muitos são os poderes; poucas,as funcionalidades.

Eu quero atravessar ziguezagueando as seis faixas desse Eixão de meu Deus,para sentir a adrenalina correr, o coração pulular, entender o que é Vida.
Eu quero asas para atingir o cume e de cima olhar a perfeita sintonia desse lugar.
Eu quero voar longe e permanecer aqui.

Eu quero transcrever em palavras este céu de Monet.
Tão impressionante, quanto impressionista.
Eu quero pintar em versos essa epifania que me invade e me evade em olhos que sorriem.




domingo, 17 de março de 2013

Endomingar

O cheiro do bolo de cenoura não se espalhou pela casa.
Não há o calor de outrora.
As ruas no domingo estão vazias.
Tão vazias quanto eu sem você.

Hoje eu acordei endomingada.

Falta o Hitchcock na minha tv, falta eu e você.
Falta o seu lençol, os tais sóis dos seus abraços.

Eu quero endomingar com você

Ver um filme.
Ou não.
Dormir com sua voz entoando Chico aos meus ouvidos.
Ou não.
Acordar, talvez.
Com você fungando meu pescoço.

É domingo, meu bem, vem comigo.

Visto aquele vestido florido outra vez.
E então, você segura a minha mão.
Segura firme, ao som do baião.
Em rodopios incessantes, tomemos o salão.
Me vê um pé-de-moleque, uma paçoca e uma canjica.
Nosso amor é fogueira de noite de São João.

"E no terreiro, o seu olhar, que incendiou meu coração!"


terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Acoberta

É na madrugada que verdadeiramente se sente. 
A luz do dia, que torna tudo tão perceptível e julgável, se foi. 
O pudor, e não só ele, também o falso moralismo, se foi. 
" - Sai da janela, Dona Aurélia! Cuida do teu feijão."
Se foram os que apontam, os que dispensam a todos seus preconceitos e impõem suas opiniões. 
O silêncio não julga, acoberta, por baixo das cobertas, os amantes. 
Que são reais, são passionais. 
Instintivos seres humanos. 
Na madrugada, não se ousa dissimular. 
Ou se é ou não. 

O silêncio à coerção. 

A poesia pede passagem


Eu nasci em versos. Em versos, me criei.
Se parar de versar, ao inverso ficarei.
Passa a moça bonita na rua, passa o ônibus, o cobrador,
Passa o senhor com seus sessenta anos, a velhinha e seu tricô.
Do diverso faço verso, uniVERSOS fundei.  
Assisto da calçada.
Eles passarão, a poesia passarinho.
Voando, vagando, cantarolando em vozes de cantor.
Planando pelo horizonte, desbaratinando por aí...

sábado, 12 de janeiro de 2013

Aí, ai de mim

Aí éramos nós.
A Sós.
Sóis calorosos que se despedem formosamente em trajes de pôr-do-sol.
Aí éreis vós.
Vozes que trocam juras de amor no ínfimo espaço de um abraço, hoje concreto.
Aí eram eles.
Aqueles ali, sim, a vagar em um barquinho sem destino, sem pretensão.
Aí era o todo e ele, a parte que ressignificava o monocromático, imprimia cor à monotonia.

Seu marinheiro, seja certeiro, ancore nele e em seus verdes olhos o meu coração.
Eu quero sóis em forma de abraço, que me aqueçam da frieza desse mundo são. 
                    E quem não? 

Aí, ai de mim
Mais um amor de verão
                    que se fez de inverno, de outono e primaverar-se-á nos verões vindouros.



quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Abate

Seu João foi ao açougue.
Parou, olhou, admirou a qualidade da carne, sorriu de canto de boca.
Quantas ideias não lhe vieram!
"5 kg de maminha, 4 de picanha, faz favor."
Chamou os amigos, fez-se churrasco.
Comprou umas geladas, preparou a farofa, o vinagrete, o pãozinho de alho.
Reuniu a turma, serviu de mal passada a bem passada.
Todos fartaram-se, abusaram de Juliana como sem igual.

Olhar não arranca pedaço, mas constrange.

Chegará o dia em que mulheres andarão tranquilas às ruas, sem temerem as violentas e desrespeitosas cantadas de que são alvo.
Chegará o dia em que mulheres não apressarão o passo temerosas de estupros.

Quantas não são as mulheres feitas dia a dia de prato principal?