terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Acoberta

É na madrugada que verdadeiramente se sente. 
A luz do dia, que torna tudo tão perceptível e julgável, se foi. 
O pudor, e não só ele, também o falso moralismo, se foi. 
" - Sai da janela, Dona Aurélia! Cuida do teu feijão."
Se foram os que apontam, os que dispensam a todos seus preconceitos e impõem suas opiniões. 
O silêncio não julga, acoberta, por baixo das cobertas, os amantes. 
Que são reais, são passionais. 
Instintivos seres humanos. 
Na madrugada, não se ousa dissimular. 
Ou se é ou não. 

O silêncio à coerção. 

A poesia pede passagem


Eu nasci em versos. Em versos, me criei.
Se parar de versar, ao inverso ficarei.
Passa a moça bonita na rua, passa o ônibus, o cobrador,
Passa o senhor com seus sessenta anos, a velhinha e seu tricô.
Do diverso faço verso, uniVERSOS fundei.  
Assisto da calçada.
Eles passarão, a poesia passarinho.
Voando, vagando, cantarolando em vozes de cantor.
Planando pelo horizonte, desbaratinando por aí...

sábado, 12 de janeiro de 2013

Aí, ai de mim

Aí éramos nós.
A Sós.
Sóis calorosos que se despedem formosamente em trajes de pôr-do-sol.
Aí éreis vós.
Vozes que trocam juras de amor no ínfimo espaço de um abraço, hoje concreto.
Aí eram eles.
Aqueles ali, sim, a vagar em um barquinho sem destino, sem pretensão.
Aí era o todo e ele, a parte que ressignificava o monocromático, imprimia cor à monotonia.

Seu marinheiro, seja certeiro, ancore nele e em seus verdes olhos o meu coração.
Eu quero sóis em forma de abraço, que me aqueçam da frieza desse mundo são. 
                    E quem não? 

Aí, ai de mim
Mais um amor de verão
                    que se fez de inverno, de outono e primaverar-se-á nos verões vindouros.



quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Abate

Seu João foi ao açougue.
Parou, olhou, admirou a qualidade da carne, sorriu de canto de boca.
Quantas ideias não lhe vieram!
"5 kg de maminha, 4 de picanha, faz favor."
Chamou os amigos, fez-se churrasco.
Comprou umas geladas, preparou a farofa, o vinagrete, o pãozinho de alho.
Reuniu a turma, serviu de mal passada a bem passada.
Todos fartaram-se, abusaram de Juliana como sem igual.

Olhar não arranca pedaço, mas constrange.

Chegará o dia em que mulheres andarão tranquilas às ruas, sem temerem as violentas e desrespeitosas cantadas de que são alvo.
Chegará o dia em que mulheres não apressarão o passo temerosas de estupros.

Quantas não são as mulheres feitas dia a dia de prato principal?