terça-feira, 13 de agosto de 2013

Faço renda e não me rendo

O descaso gestor vitima nossas artesãs, relega nossa cultura a segundo plano. O Centro das Rendeiras da Prainha bem pode ser descrito pela palavra "abandono". Não há como não se sensibilizar. Nossas artesãs cearenses permanecem divididas em três espaços: um deles, no qual Francisca vende seus produtos, sequer possui energia elétrica. As rendeiras falam saudosamente do tempo em que Luiza Távora, então esposa do governador do Ceará, "fazia tudo pela gente" - palavras de Francisca - que conta, ainda, que, "na época da Dona Luiza" elas iam a feiras em outros estados vender seus produtos. Além disso, "Esse Centro era da Dona Luiza, viu? Ela teve pena das rendeiras que vendia renda com as caixas na cabeça na beira da praia e fez o Centro pra nós". Hoje não! Francisca fala que entra prefeito e sai prefeito e ninguém nada faz por elas e pelo Centro. 


Eis que a conversa continua e ela diz querer falar com a Dilma, ir lá em Brasília mesmo, reclama que, quando em visita ao Ceará, ninguém leva a Dilma até as rendeiras. Elas esperam uma mulher, outra mulher que, sendo mulher, entenda a sua luta. A de criar os filhos com o dinheiro suado e "nem sempre certo da renda", a de fazer tapiocas de madrugada para vender pela praia, a de fazer renda de segunda à sexta e "faxinas em casas de família" nos fins de semana. 



Francisca, 69 anos, solteira, rendeira desde os 6 anos de idade, quer um Centro com mínimas condições para poder trabalhar. Um Centro pra receber turistas na Copa que vem vindo. Aquela Copa que não é para todas/os, e que, nesse caso, invisibiliza inclusive setores que lidam diretamente com o turismo. 



A história de Francisca sensibilizou-me e aqui a conto brevemente em versos. 





"Filha de mulher rendeira,
Mulher rendeira eu sou. 
A mãe ia raspar as mandioca, pra juntar um dinheirinho mais avultado."

Francisca bota a almofada da mãe na cabeça, corre pra detrás da casa. 
Fingindo estar trabalhando, embaraçava os bilros na ânsia de aprender. 
Até que aprendeu. 

Criança brincava de ser adulto.
Cedo demais. 
E "ia até umas horas" fazendo renda
Pra comprar as vestes do "caticismo". 
O sapato, a roupinha, tudo aprumado. 

Fazendo uns trocados*, juntou os seus. 
Criou os seus. 
Mãe solteira
Deu de comer à cria. 

E se lembrou de quando era criança 
E de tudo que viveu até ali. 

E Francisca não conseguiu o que queria
Quando veio pra Brasília, com o diabo ter. 
Ela queria era falar com a Presidenta, pra ajudar
Toda essa gente que faz renda. 
Só não faz 
Se render. 


*Movimento principal a partir do qual se constituem os pontos da renda de bilro,trata-se do primeiro passo na iniciação à técnica e consiste em três movimentos básicos de torção e cruzamento dos fios.